Chronique par Rui Eduardo Paes sur jazz.pt (18 mai 2018)

Toda a música que acontece pelas sete faixas de “Stomiidae” parece ir na perseguição de uma forma, mas desde logo com o pressuposto de a recusar, no caso de vir ao caminho. Como uma ou outra vez surgem vagas sugestões de melodia, de ritmo ou de harmonia, o que aparece, ou melhor, o que se adivinha, levaria Daniel Levin, Chris Pitsiokos e Brandon Seabrook ou para o campo do free jazz ou para o do pós-punk. Nunca chega a acontecer, mas esses formatos estilísticos acabam por fantasmizar todas as narrativas que se constroem, como se fossem modelos por negação. Tal processo de autofagia criativa, ou de benjaminiano niilismo (veja-se o “carácter destrutivo” de Walter Benjamin), acaba por fazer jus ao título do disco e dos temas, todos alusivos a uma família de pequenos, mas assustadores, peixes de águas profundas, aqueles de olhos esbugalhados e dentes de agulha com nomes em Latim como Chauliodus danae ou Photostomias atrox. O facto de os três músicos terem escolhido uma referência de monstruosidade na natureza, e não no imaginário humano (por exemplo, as figuras distorcidas do pintor Francis Bacon), é esclarecedor quanto ao seu realismo estético.

Estamos, portanto, em pleno território abstraccionista, aquele que as práticas musicais integralmente improvisadas preferem percorrer, mas o tratamento que se processa das combinações tímbricas do violoncelo, do saxofone alto e da guitarra eléctrica é teatral e altamente dramático: seja nos momentos pausados como nos mais abrasivos, a atitude é ameaçadora, predatória, conflitual, como se as três vozes estivessem em permanente luta entre si. Quando alguma convergência ocorre, é por puro acaso e de imediato o trio sabota esses acidentais desenlaces em que o “certo” é tomado como um erro, retomando o princípio antagonístico escolhido. O contexto poderia conduzir a actuações “vale tudo” se não estivéssemos perante instrumentistas virtuosos. Levin e Seabrook serão os mais conhecidos em Portugal, onde já tocaram ao vivo e têm participações em discos cá editados, mas só agora começamos a perceber porque é que a crítica norte-americana aponta o jovem Pitsiokos como o rosto de uma nova vaga de rebeldia musical surgida em Nova Iorque. Ouvidos nele, pois: muito vai dar que falar no futuro.

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